0. Prólogo
Abrimos com uma visão aérea: um navio colossal corta as ondas de um mar sem fim, um monumento de madeira perdido no imenso azul. A câmera desce, serpenteando pelo convés, ignorando marinheiros e ordens gritadas, até mergulhar nas escadarias estreitas rumo ao porão. Lá embaixo, o breu reina. Antes que a luz consiga adaptar os olhos, ouvimos o tilintar de correntes, o ranger da madeira sob a pressão das águas, e o sopro do oceano batendo com fúria no casco. Quando a penumbra finalmente cede, a carga se revela: prisioneiros. Homens e mulheres encapuzados, acorrentados, sem passado nem nome visíveis, apenas silêncio e desespero. Alguns choram. Outros gritam pela justiça perdida. Muitos apenas se calam, engolidos pelo vazio. A câmera avança entre eles como se carregasse o peso daquela condenação.
Corta para as docas. O navio atracou. Um corredor improvisado de madeira liga embarcação e terra firme. Dele, como sombras marcadas pelo destino, descem os prisioneiros. Cabeças baixas. Correntes nos tornozelos. A marcha de espectros vivos. Fora do enquadramento, uma voz ecoa, seca como um decreto:
"Agastan K'lonur. Rhydian Grayheart. Ghen'vind Birchblade. Renugar Kelamarsh. Balduin Slyherz. Sen Snahzu. Eda Brutgenn."
Um por um, os condenados são levados até suas celas. Um anel de pedra e ferro, iluminado apenas por um feixe trêmulo vindo da torre central. As portas rangem, protestam, e enfim se calam com um último estrondo. Tudo se apaga.
Surge então uma nova cena. Um homem. De costas, envolto em sombras. Dois auxiliares entram, trazendo um peitoral de armadura. Eles o vestem em silêncio. Depois, as manoplas. O ritual é mudo, mas cheio de presságios. A câmera foca em sua boca. Um sorriso se forma. Cortamos para o escuro.
O mundo de Marisia é belo, sim — mas só para quem pode tocá-lo. As praias da Leisafia, os picos nevados do Monte Chipington, as florestas sussurrantes de Tawa, e as cintilantes laylines ao norte. Até mesmo Malthasia, a ilha-prisão, possui seu encanto cruel. Mas a vocês, esse encanto jamais será ofertado. Como tantos antes, foram lançados neste lugar esquecido. Nomes, rostos, causas: tudo se desfaz nos corredores úmidos da fortaleza. Celas fundas, cavernosas. Camas de pedra e feno. Guardas sem rosto, apenas vultos encapuzados e indiferentes.
O tempo aqui é um inimigo invisível. Sem dias, sem noites confiáveis — apenas o som cíclico das rondas, das refeições lançadas como sobras, das goteiras insistentes. Até hoje.
Hoje, algo mudou.
Um guarda para diante de cada cela, voz baixa, grave, final:
"Sua execução está planejada para hoje. Se quiser viver, quando a terceira ronda passar, jogue esta pedra no chão e pise sobre ela. Boa sorte."