3. As Sombras da Fronteira
A neve cai espessa, lenta, como se o próprio céu quisesse apagar rastros. A câmera abre em meio às árvores do norte de Haulach, onde os ventos uivam como espíritos antigos. Entre troncos cobertos de gelo, surge a figura de Darek “Rastro-Partido” Thuell. O velho veste peles esfarrapadas, e sua barba longa se mistura ao branco da neve. Mas o que prende a atenção da câmera é seu olho de vidro, que brilha com reflexos próprios, como se contemplasse coisas que mais ninguém poderia ver.
Ele ergue o arco às costas, aproxima-se, e fala com voz rouca, marcada por sussurros de outra era:
“A Fronteira não é apenas pedra e política. Ela é uma entidade, uma fera que fareja medo e mentira. Para passarem por ela, vocês devem deixá-la satisfeita. Deixem para trás algo de vocês. Algo que não pode mais voltar. E revelem uma verdade... uma que ainda não ousaram pronunciar.”
Eda solta uma risada curta e confessa, em tom quase zombeteiro, que nunca aprendeu a nadar — a verdade soa leve, inconsequente. Rhydian, sem cerimônia, admite que certa vez se cagou, e jamais contou a ninguém. Verdades pequenas, como folhas lançadas ao vento.
Mas Balduin Slyherz, quando chega sua vez, baixa os olhos. Aproxima-se de Darek e sussurra, para que só o velho e a própria Fronteira ouçam:
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O olho de vidro do velho brilha uma única vez. Ele nada responde. Apenas faz um gesto com a cabeça, aprovando.
A jornada segue para o norte. A câmera acompanha passos cautelosos pela neve alta, o vapor da respiração formando nuvens. Em certo momento, Rhydian ergue a mão, sinalizando perigo: guardas leisafianos, patrulhando a área. As silhuetas armadas cruzam ao longe, mas os heróis se esgueiram por trás das árvores, sombras no branco, até que o perigo se dissipa.
Mas a verdadeira provação os aguarda adiante.
A câmera abre para mostrar um abismo sem fim, onde o vento uiva como mil lâminas. A única passagem: uma ponte de madeira sustentada por cordas, oscilando violentamente. Lá embaixo, quase apagada sob pedras e neve, repousa uma velha linha de trem, abandonada, como se os deuses tivessem desistido de ligar os dois mundos.
Eda, firme, atravessa primeiro. Cada passo faz a madeira ranger, mas ela chega ao outro lado ilesa. É então que seus olhos percebem algo: um mecanismo, escondido no fim da ponte. Uma armadilha. Mas sua função é incerta.
Rhydian segue. A câmera acompanha seus pés, até que uma tábua cede. Ele despenca, mãos se agarrando desesperadamente às cordas. O coração da cena pulsa no ritmo da queda — até que Eda e Balduin, juntos, o puxam de volta à segurança. O chão do outro lado os recebe com alívio.
Mas o alívio dura pouco.
Com o peso do último passo, a armadilha se ativa. Duas pedras gigantescas, aparentemente parte da encosta, começam a se mover. Suas formas se erguem, revelando membros, juntas metálicas e olhos de cristal verde. Automatons Khishilianos, guardiões ancestrais da fronteira.
A luta é brutal. Eda enfrenta os golpes pesados, desviando como fera. Balduin toca notas de coragem, sua guitarra soando como aço contra ferro. Rhydian lança magia em explosões descontroladas, cada feitiço mais instintivo do que o último.
E Darek, o velho excêntrico, mostra-se mais letal do que aparentava. Seu arco canta, flecha após flecha, sempre certeira nos pontos frágeis das máquinas. O som dos impactos ecoa até que, por fim, os gigantes de ferro tombam, novamente reduzidos a escombros imóveis.
A câmera abre para uma vista da cidade de Malsckin, uma vila mineradora erguida ao pé de uma montanha, luzes amareladas tremeluzindo contra a neve que nunca cessa. Mas antes de chegar à civilização, Darek para diante dos aventureiros, no limite da mata.
“Minha casa não é feita de pedra e fumaça,” diz ele, batendo no peito. “A civilização não é para mim. Mas sigam este caminho.”
Ele toca uma fenda escondida na base do relevo, revelando a entrada de um túnel. “Só há uma saída. E ela leva direto à cidade.”
As últimas palavras ecoam como um adeus. Darek desaparece nas sombras da floresta, enquanto os heróis descem aos túneis úmidos e abandonados, onde o som das gotas e o cheiro de ferrugem guiam seus passos.
Quando emergem, a câmera sobe devagar, revelando as ruas estreitas de Malsckin, cheias de mineiros de rosto cansado e construções de pedra enegrecida pelo carvão.
Na estação da cidade, pequena e quase esquecida, os heróis buscam informações. O atendente, com mãos manchadas de carvão e olhos sonolentos, dá a resposta:
— “Só um trem sai hoje. A Linha Dorsal 7. Mas leva apenas carga, trabalhadores e a Guarda Ferrovia Real. Não é lugar para passageiros.”
O grupo troca olhares silenciosos. A decisão está tomada.
Mais tarde, sorrateiros, adentram a estação pela escuridão dos depósitos. A câmera mostra gavetas abertas, pergaminhos remexidos, até que Rhydian encontra um envelope lacrado. A missiva é lida em silêncio.
K-VAR. Um nome que ecoa como ameaça. A carta confirma: um agente dessa organização estará no trem, transportando uma carga misteriosa. Ele tem ordens para garantir que ela chegue a Hutepec por qualquer meio necessário.
Mas há um detalhe que queima como ferro em brasa: a carta não deveria mais existir. Ela deveria ter sido destruída.
A câmera fecha lentamente no olhar dos heróis. Eles sabem que esse trem não é apenas transporte. É armadilha. É destino.
Fade out.